quinta-feira, maio 14, 2009

A GUERRA DAS LAGOSTAS (O Hiato entre Nós)
“Vivi muito no meio das pessoas grandes. (...) Quando encontrava uma que me parecia um pouco lúcida, fazia com ela a experiência do meu desenho número 1, que sempre conservei comigo. Eu queria saber se ela era verdadeiramente compreensiva. Mas respondia sempre: "É um chapéu". Então eu não lhe falava nem de jibóias, nem de florestas virgens, nem de estrelas. Punha-me ao seu alcance. Falava-lhe de bridge, de golfe, de política, de gravatas. E a pessoa grande ficava encantada de conhecer um homem tão razoável.” – O narrador, O Pequeno Príncipe

Eu nunca soube o que as pessoas conversam entre si. Sempre que encontro alguém na rua, no ônibus, na fila do pão, eu não sei sobre o que falar. O que interessa a ela? A mim, eu sei. Me preocupam as guerras de lagostas, as tartarugas ninja mutantes [porque elas usam máscaras?], como é feito o leite em pó, essas coisas. Mas quando falo das coisas que me interessam, fatalmente sou chamado de maluco ou idiota. Então eu passo a falar trivialidades, inutilidades do mundo moderno, com ar de gravidade, dando alguma importância. Reclamo do tempo, do ônibus que se atrasou, pergunto se vai ter prova amanhã, E, engraçado, aí a pessoa passa a me achar um cara sério, inteligente – “esse tem conteúdo”. Pura idiotice.
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Não me importo com os políticos, com a prova do professor. Não me preocupo com a cor do cabelo dela, e nem com quem ela anda fudendo. Acredito que não haja muitos casos de pessoas que morreram por causa de uma nota baixa ou de uma chapinha mal-feita – ainda que tenha acontecido, nesse mundo se vê cada coisa.E me ponho a acender velas e incenso para perfumar.
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Eu ainda te espero chegar...

segunda-feira, maio 11, 2009

RAJINI KANTH: HERÓI PARA NINGUÉM BOTAR DEFEITO
"Leva-se anos para se conhecer um homem, mas basta um dia para se conhecer um herói*" - Dadoapavorado, Guimarães Rosa e sabedoria popular


Bigode rabo-de-andorinha. Jaqueta Jeans descolada. Tênis da Nike. Visual Pablo-Scobar anos 80 e pose de machão. Rajini Kanth, novo herói indiano.

Vin Diesel, Callin Farrell e esses novos heróis de brinquedo que se cuidem: Rajini não veio para brincadeira . Esse é macho mesmo. Sopapo e cascudo para todo lado. Tabefes que desafiam as leis da física. Vacilou, a bolacha come solta:
- Rajini Kanth: Neo ou super-homem (também desceria a porrada se o cara não tivesse morrido antes)
- Rajini Kanth descendo a porrada III (com direito a famosa porrada tripla dos trapalhões - imaginem se ele tivesse tomando uma coca-cola)
- Rajini Kanth e a famosa cena do cavalo (a cena mais fantástica do cinema indiano!)
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* Tradução do trecho de Sagarana, conto do Burrinho Pedrêz, de Guimarães Rosa: "Mas nada disso vale fala, porque a estória de um burrinho, como a história de um homem grande, é bem dada no resumo de um só dia de sua vida."
URUBUS: SENHORES DO MUNDO


"Fui no mangue catá lixo
pegar caranguejo
Conversar com urubu (...)

E com as asas que os urubus me deram um dia
Eu voarei por toda a periferia
e Vou sonhando com a mulher
que talvez eu possa me encontrar
" - Manguetown, Schico Science e Nação Zumbi

Toda vez que eu vejo um urubu, eu penso: os urubus dominam o mundo. Do alto dos postes, sobrevoando prédios, eles reinam absolutos. Abaixo deles, sacos de lixo, ratos, favelas, paisagem urbana. Os homens.

Eu imagino como pensa um urubu. “Sim, nós dominamos o mundo. Raça superior escolhida pelo criador para reinar. Todos os outros animais, abaixo, nossos escravos”. A permanência das outras criaturas é permitida apenas como ferramenta da existência dos urubus.

Eles aceitam a sociedade humana exclusivamente para servi-los. Os homens constroem postes, prédios e lixo. Assim, comemos, nos divertimos, morremos, e, quando necessário, viramos carniça para alimentar urubus. Esse é o pacto social.

Alguns podem objetar: “Mas agora nós nos enterramos. Os urubus não comem mais nossa carniça. Não obedecemos mais aos urubus”. Sim, talvez verdade. Fato que, possivelmente, causou grande polêmica entre os urubunídeos foram os enterros. “Que petulância, que arrogância dos macacos! Se rebelaram contra seus senhores. Não nos querem mais fornecer carne!”. O sinal da guerra. Por alguns dias, a raça humana beirou a extinção. Sua permanência não seria mais tolerada nesse mundo.

Mas, para acalmar os ânimos, achou-se engenhosa saída: os humanos ainda seriam escravos. Em troca da sobrevivência, cultivariam os animais como comida para os urubus. Eles teriam carniça cultivada, banquete, em formas de rebanhos de gado, de porcos – as vezes, um franguinho para variar. Nós, como raça inferior, porém, seríamos enterrados. Nossa carne não seria boa para os urubus. De tão suja, só a terra deveria comer.

E assim, senhores do mundo, os urubus continuam reinando lá do alto, regendo nossos destinos.

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Sempre mais do mesmo:

- Letra da música Manguetown (Chico Science e Nação Zumbi)
- Clipe da música Manguetown (chico Science e Nação Zumbi)
- Zeca Urubu: o urubu mais famoso da TV (ficando chapado)